«tout ce qui est intérieur s’y déploie au-dehors,
y prend la forme d’une image»
Maurice Blanchot
Manual do Abandono
Take 1
Abandono, uma palavra que entrou muito cedo na linguagem, no século XII, e que persiste, com múltiplos sentidos. Derivada do Francês abandonner, «render-se» – daí a expressão laisser à bandon (deixar em poder de alguém) –, do Latim bannum, «proclamação verbal», do Frâncico bannan, «proclamar, banir», do germânico bannan «falar em público», do Indo-Europeu bha-, «falar». Na língua dos francos, bann significava «poder, jurisdição» e deu lugar ao verbo inglês to ban (proscrever, impedir a entrada de alguém num país), que chegou ao português como «banir».
Abandonner era afrouxar as rédeas do cavalo, deixar que o animal ou pessoa siga por conta própria; a ban donner era o ato de exilar alguém; exprimia a ideia de procura de autonomia, obtida pela ruptura de laços, por uma separação.
Take 2
A palavra Abandono está logo na primeira página dos dicionários das línguas latinas e anglo-saxónicas. É o tipo de coisas que só se topam quando alguém se ocupa em escavar um buraco num local não muito visitado.
Abandonamos o lugar de onde viemos, onde estivemos, uma ideia, uma vivência, uma situação, um percurso, um posto, uma designação, um nome, uma pessoa, um animal, um objecto. Podemos abandonar tudo. Tudo o que era, que foi, tudo o que resta.
Take 3
A palavra Abandono pode ter múltiplos sentidos.
O Abandono pressupõe quase sempre um movimento de afastamento de algo ou de alguém; ou uma acção paralítica: deixar de agir.
Quando dizemos abandonar, podemos querer dizer: deixar para trás, afastamo-nos de, rejeitar, deixar só, renunciar a, largar, soltar, fugir de, retirar-se, pôr de parte, desistir, sair, desprezar, desocupar, desapegar-se, entregar-se, não cuidar, ceder à entropia, desleixar, negligenciar, abdicar, abjurar, descuidar, partir, desabitar, despovoar, morrer, desligar-se de.
É só escolher o que mais nos convém. Escolhemos sempre, mesmo quando não escolhemos.
Take 4
O Abandono pode ser uma referência àquilo que é abandonado ou ao sujeito que abandona.
(Publicado, como ensaio visual, na revista Triplov)