Incêndio do Chiado, 1988 (p&b)

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Incêndio do Chiado, 1988 (p&b)
  1. No dia 25 de Agosto de 1988, ao entrar em Lisboa a atravessar a ponte sobre o Tejo no meu velho Volkswagen, vejo uma coluna de fumo a elevar-se da zona de baixa. Uma cena devastadora, bombeiros por todo lado, destroços de prédios ainda a cair pelas ruas encharcadas de água, uma coisa dantesca. Uma amiga jornalista cedeu-me um cartão de imprensa caducado e assim pude aproximar-me mais da zona onde os bombeiros combatiam o fogo.

Parecia um cenário de guerra. Eu circulava de um lado para o outro, de uma rua para outra, dava a volta aos quarteirões, havia carros de bombeiros em todas as ruas que bombeavam água para combater as chamas. Os bombeiros gritavam uns com os outros, falavam entre si com rádios portáteis, corriam de um sítio para o outro, a confusão era enorme. Uma chusma de repórteres da TSF, na época uma rádio jovem, relatavam em directo para os microfones tudo o que viam, todos os pormenores, repetiam-se, por vezes quase aos gritos, atropelavam-se uns aos outros, visivelmente excitados, começava uma nova era da rádio.

Com o tempo, fui conseguindo fintar os bombeiros e a polícia e consegui penetrar para mais perto do centro de incêndio, na rua do Carmo, na rua Garrett, na rua Nova do Almada, à medida que o incêndio, ainda que não extinto, estava mais controlado, as labaredas eram mais raras.

Quando me aproximava do rebordo dos buracos profundos onde antes eram os armazéns Grandela, os armazéns do Chiado, sentia um calor infernal que subia, insuportável, a pele ardia, pareciam caldeiras abertas de vulcões fumegantes. O que restava dos grandes armazéns, das lojas, dos poucos apartamentos habitados vigas retorcidas que mais pareciam esparguete, os andares tinham colapsado, os materiais das estruturas misturavam-se alguns metros abaixo, num magma ígneo e cinzento informe, com madeiras, tecidos, irreconhecíveis.

Eu ia fotografando e quando os filmes acabavam ia às Amoreiras de táxi, onde o dono da Instanta, de que eu era cliente ocasional, me perguntava como estava a sua loja na Rua Garret. À tarde fui ver o Aliens do James Cameron ao Condes, da primeira fila do balcão, o imenso écran à minha frente, com os sapatos ensopados da água quente que corria pelas ruas, exausto e meio aturdido, vindo de um cenário apocalíptico para outro.

O sonho dos Grands Magazins do início do século a imitar Paris desfizera-se num estalar de dedos.